Artigo publicado no jornal Zero Hora no dia 08.05.2019. Tarso Genro, advogado, ex-ministro da educação e ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul.
“Behemoth”, figura bíblica do demônio da morte, também é nome de banda black-metal surgida nos anos 90 na Polônia. Os seus vídeos sinistros e letras musicais veem o satanismo como autenticidade e liberdade. Já o livro do filósofo-jurista Franz Neumann do mesmo nome – Behemoth – faz uma análise do Estado Nazista e nos aproxima dele – na sua tragédia – para entendermos um outro lado da racionalidade jurídica moderna.
Assim como os roqueiros poloneses formaram a banda Behemoth, identificando valores humanísticos no demoníaco (como a propagação do amor autêntico e da liberdade), os valores com quais lidava Neumann, utilizaria o mesmo símbolo bíblico para pensar outro enigma: aqueles perigos que cercam o Homem, segundo Valery, que seriam a “ordem” e a “desordem”. Com esta se perderia a “coerência”, dizia ele; com a outra – a ordem – sofreríamos o risco da “petrificação”. No livro Império do Direito, o jurista judeu e socialdemocrata — por isso duplamente perseguido por Hitler— buscou o caráter emancipatório do direito burguês, com a seguinte ideia central (em Fuga do Direito, J.R.Rodriguez): “O Estado de Direito se caracteriza essencialmente pela possibilidade de controlar o poder” (…) ele não admite que o poder político, social, econômico, use o direito como mero instrumento“.
Um ato de governo no Estado de Direito, político ou administrativo, não é mero instrumento acionado por uma cadeia racional-burocrática de implementação de um comando, pois deve corresponder a “valores”. E estes estão na Constituição, no seu Preâmbulo e nos seus Princípios, que se refletem em todo o sistema normativo do Estado. São impessoais, morais e legais, dão sentido e coerência à ordem jurídica.
Tanto a decisão burocrático-racional de Eichmann, de prover prisioneiros para os Campos da Morte, quanto o corte de recursos para Universidades — para tentar enquadrar a academia na ideologia de extrema-direita do governo — são nulos e inválidos, perante o Estado de Direito: são atos de exceção. É um direito dos reitores, alunos, professores e servidores resistirem. Em nome da Constituição. “Da Lei e da Ordem”.
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