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Empresário terá de pagar mais de R$ 100 mil por injúria racial em restaurante

Um empresário foi condenado por injúria racial contra dois funcionários do restaurante de um chef premiado porque os chamou de “preto sujo, crioulo, pretinho e serviçal”. Ele terá que pagar multa de 40 salários mínimos a cada um dos trabalhadores (cerca de R$ 104 mil, no total) e prestar serviço comunitário.


Embora o réu tenha negado em seu interrogatório qualquer ofensa com referência à cor da pele das vítimas, o juiz Leonardo de Mello Gonçalves, da 2ª Vara Criminal de Santos, concluiu que ele “falhou em sua narrativa” e, na tentativa de refutar a acusação, reafirmou o seu “preconceito racial internalizado”.


“Há de se ressaltar que o réu, ao querer demonstrar não ser racista, listou vários empregados que se relaciona por conta do seu trabalho, mas há de se ter em conta que ele, implicitamente, fez a conexão da cor da pele com funções distantes do cargo que ele ocupa como dono de uma empresa. É só notar na lista de profissionais que ele indica: ‘controlista, estivador, operador de pátio, operador de empilhadeira, pessoal de bloco, motorista de caminhão'”, assinalou o julgador na sentença.


Ainda conforme o acusado, o falecimento de uma empregada doméstica “negra”, que trabalhava em sua casa há dez anos, lhe causou depressão. “Tudo isso foi uma tentativa de demonstrar que não possui preconceito racial, buscando utilizar da máxima que está cada vez mais em voga, quando uma pessoa tenta justificar que não possui preconceito dizendo que até tem amigos que são daquela raça ou cor pela qual quer se eximir de preconceito”, acrescentou Gonçalves.


Para o magistrado, “ficou claro que o réu não tem condição de apontar qualquer amigo ou amiga negra ou parceiro comercial negro, restando apenas indicar funcionários e funcionárias negros”. O juiz ressaltou a “relação de desigualdade profissional” entre o empresário e os seus colaboradores.


Outro argumento do empresário foi o de que a equipe do restaurante, como espécie de vingança, inventou a história de injúria racial porque ele não gostou do prato servido.

No entanto, a versão do réu foi isolada nos autos, segundo o juiz, porque as vítimas e testemunhas foram “uníssonas” em detalhar as ofensas proferidas pelo acusado. Além disso, tais depoimentos foram ratificados pelo laudo pericial de degravação de imagens de câmeras do restaurante.


“Ficou patente a intenção do acusado de injuriar as vítimas com o objetivo de ofender a dignidade delas, utilizando-se de elementos de raça e cor das pessoas”, concluiu Gonçalves.


Entre as testemunhas estão clientes do restaurante que intervieram em favor das vítimas e o chef do restaurante, que se destacou em dois reality shows de culinária. Segundo ele, o acusado o chamou de “burro” por ter funcionário “preto”, advertindo-o que isso prejudicaria o comércio.


Pena mais branda Com o advento da Lei 14.532, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 11 de janeiro, o delito de injúria racial passou a ter o mesmo tratamento que o crime de racismo, sendo a sua pena elevada de um a três anos para dois a cinco anos de reclusão.


Em decorrência do inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu), a sanção do empresário foi aplicada com base na regra antiga, mais benéfica, porque o fato ocorreu em 28 de janeiro de 2020.

O juiz condenou o réu a quatro anos de reclusão, em regime aberto, pelos dois delitos de injúria racial. Foi aplicada a causa de aumento de pena de um terço prevista para as hipóteses de o crime ser cometido na presença de várias pessoas (artigo 141, inciso III, do Código Penal). Para o julgador, esse fato é “facilmente comprovado pela narrativa das testemunhas que presenciaram o ocorrido e intervieram em favor das vítimas, e também pelas imagens do local”.


Gonçalves considerou duas circunstâncias desfavoráveis ao acusado na dosimetria. Uma delas decorre do “péssimo exemplo” dado pelo réu ao injuriar as vítimas na presença de um menino. A criança é neta de uma amiga do empresário, que o acompanhava no restaurante. Segundo testemunhas, o acusado dizia ao garoto que quem possui boas condições financeiras pode fazer o que quiser. Para o julgador, o sentenciado demonstrou acreditar na impunidade.


O fato de o réu ser “pessoa culta, empresário de renome e sucesso, e que por tudo isso deveria agir de outra maneira”, também pesou contra ele, conforme justificou o magistrado. “A culpabilidade do acusado revela-se maior diante do contexto todo. Considerando, ainda, que mesmo ciente do que fez, assim que saiu do estabelecimento ainda procurou por uma delegacia de polícia para tentar inverter o papel de ofensor para o de vítima.”


Por entender “medida mais eficaz, uma vez que surtirá maiores efeitos” do que a pena privativa de liberdade, em regime aberto, Gonçalves a substituiu por duas sanções restritivas de direitos: pagamento de prestação pecuniária de 40 salários mínimos (R$ 52.080,00) para cada vítima e prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública pelo período de quatro anos, na forma a ser disciplinada pelo juízo das execuções criminais.


Com base no artigo 211 do Código de Processo Penal, o julgador determinou a remessa à Polícia Civil de cópias da denúncia, da sentença e da mídia contendo o interrogatório do réu e os depoimentos das testemunhas. O objetivo é que o material instrua inquérito policial a ser instaurado para apurar suposto crime de falso testemunho cometido pela mulher que acompanhava o empresário. Em juízo, ela declarou que não presenciou e nem escutou nada do que ocorreu no restaurante.


O empresário, de 65 anos, manifestou o desejo de apelar. O seu advogado, Armando de Mattos Júnior, informou que ainda está no prazo para a apresentação das suas razões recursais ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Nas alegações finais, o defensor requereu a absolvição por insuficiência de prova ou, na hipótese de condenação, a aplicação de pena mínima e a substituição da sanção restritiva de liberdade por multa.


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