Estudo estima aporte de mais de R$ 3,870 trilhões na educação se país adotasse medidas previstas por Plano Nacional de Educação (PNE)
Os mais recentes dados do Relatório Education at a Glance mostram que o Brasil é um dos países que historicamente menos investe em educação. Entre os anos de 2019 e 2020, período do levantamento mais recente, essa situação se agravou. O relatório reúne informações sobre estrutura, finanças e desempenho dos sistemas educativos dos países que pertencem à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Uruguai, Venezuela e Japão.
Segundo a pesquisa, o índice de investimento médio por aluno no Brasil representa menos da metade do valor dos demais países da OCDE. Em 2020, para cada estudante brasileiro, o recurso aplicado foi de aproximadamente US$ 4.306 por aluno, cerca de R$ 21 mil. Já nos países da organização, ao longo do mesmo ano, o valor investido foi de US$ 11.560, o que corresponde a R$57 mil.
Isso é resultado de um processo de “encolhimento” da educação no Brasil – que seguiu na contramão do resto do mundo. Enquanto a despesa total das nações da OCDE na educação aumentou 2,1% em 2019 e 2020, o investimento no setor brasileiro apresentou uma redução alarmante de 10,5% na comparação com outros serviços, que cresceram 8,9%. Nesses dois anos, a verba em educação pública no Brasil em relação ao PIB foi de 5%, segundo relatório do monitoramento da lei elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Segundo o instituto, “os resultados apontam para uma grande dificuldade dos entes em aumentar o orçamento destinado à educação”. Apesar de a pandemia da covid-19 certamente ter afetado esse cenário, a proporção de falta de investimentos – principalmente na comparação a nível global – levanta uma série de questionamentos sobre as possibilidades de o país cumprir as metas de investimento elencadas pelo Plano Nacional da Educação (PNE), ao longo dos próximos anos.
A diretora-geral do 39º núcleo do CPERS, Neiva Lazzarotto, lembra que a reivindicação pelos 10% do PIB na educação faz parte da trajetória de estudantes, docentes, trabalhadores em educação e especialistas na área desde os anos 90.
Ela foi uma das integrantes da primeira conferência de educação realizada em 1997, em Belo Horizonte (MG), que reuniu mais de cinco mil pessoas e propôs os parâmetros de investimento de acordo com o PIB. Esse posicionamento norteou as conferências que vieram a seguir.
“Desde então, nas CONAEs que se sucederam, esta tem sido uma das políticas defendidas pelos educadores da educação básica e superior, por estudantes e movimentos sindicais e sociais comprometidos com uma sociedade mais justa e igualitária. Evidentemente que com a oposição dos representantes do capital, principalmente organizados no Movimento Todos pela Educação, que congrega institutos e fundações de bancos e empresas bilionárias (Itaú, Lemann, Vale, Fundação Roberto Marinho, etc.)”, ressalta a dirigente.
Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, o sucateamento da educação reflete uma política deflagrada após o golpe de 2016, a partir da gestão de Michel Temer, e durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022. Araújo salienta que uma premissa básica do PNE é necessariamente atender os índices de investimento por aluno, previstos pelo Custo Aluno Qualidade (CAQi) e pelo Custo Aluno Qualidade (CAQ).
“O Estado brasileiro está devendo ao seu povo a regulamentação do CAQi (já aprovado na Lei do Plano Nacional de Educação). É uma vergonha e um crime cometido contra os nossos estudantes e a educação pública a não regulamentação do CAQi”, declarou, em reportagem publicada no site do CPERS.
O CAQi é um indicador que aponta qual o quanto deve ser aplicado por aluno em cada etapa da formação educacional, levando em conta creche, pré-escola, Ensino Fundamental (Anos Iniciais e Anos Finais), Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Profissional, Educação Especial Inclusiva e Ensino Superior.
Já o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) é o parâmetro da educação de acordo com todas as etapas e modalidades da educação básica, com o cálculo e o acompanhamento dos dados de gastos educacionais com investimentos em qualificação e salários de professores e dos trabalhadores do setor, além de despesas com infraestrutura e aquisição de material didático.
O exemplo histórico que deve ser seguido pelo Brasil
O exemplo histórico dos países mais bem avaliados no ranking da OCDE traz diretrizes que também poderiam ser implementadas no Brasil para atingir o montante de 10% do PIB para educação. Países como Finlândia, França, Japão e Noruega só obtiveram estaturas altíssimas de desempenho educacional graças ao um investimento de grande porte no setor durante décadas.
Isso foi concretizado a partir de uma estratégia que considerou a redução da população mais jovem de 0 a 24 anos e a manutenção dos mesmos patamares de investimento durante décadas. No caso da Finlândia, a 1º colocada no ranking, entre 1970 e 2018, o investimento do PIB em educação ficou em valores próximos de 5% até 7,5%. Nesse período, o PIB cresceu de US$/PPC 83,0 bilhões em 1970 para US$/PPC 253,9 bilhões em 2016. Ao mesmo tempo, a população de jovens de 0 a 24 anos reduziu em mais de 500 mil pessoas.
A confluência desses fatores gerou um aumento significativo dos recursos aplicados em educação por aluno, saltando de US$/PPC 2.241,00 em 1970, para US$/PPC 11.355,00, em 2016.
Essa abordagem que mantém o investimento na educação de acordo com a dinâmica populacional traria excelentes resultados para o Brasil, conforme estudo da Fineduca. Ao fazer uma análise considerando a transformação populacional de 1995 a 2034, a entidade aponta que haveria uma elevação substancial no volume de recursos por aluno.
Considerando a previsão de redução de jovens 0 a 24 anos no Brasil para o ano de 2034, o valor aplicado na educação de pessoas dessa faixa etária se elevaria de US$/PPC 2.455,00 em 2024 para US$/PPC 6.540,00 em 2034. Isso garantiria que, ao final do PNE, o Brasil estaria com índices de investimento (US$/PPC 6.540,00) próximos ao do Japão (US$/PPC 6.424,00), de Portugal (US$/PPC 6.757,00) e da Espanha (US$/PPC 6.743,00).
Contudo, o desempenho ainda seria distante dos índices verificados na Coréia do Sul (US$/PPC 8.230,00) França (US$/PPC 8.373,00), Finlândia (US$/PPC 11.355,00) e Noruega (US$/PPC 17.320,00).
Quais estratégias podem ser implementadas para obter os 10% do PIB na educação
A lei que aprovou o PNE em 2014 prevê que as 20 metas elencadas pelo plano sejam financiadas pela parcela de 10% correspondente do PIB até o ano de 2024. Esse índice foi estabelecido por estudos que avaliaram com consistência o volume de investimentos necessários para o amplo desenvolvimento do setor ao longo da última década.
Uma nota técnica publicada pela Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) traz uma série de dados que mostram que esse patamar pode ser atingido a partir de políticas de gestão e de investimentos que levam em consideração os recursos financeiros disponíveis e o quantitativo de crianças e jovens em todo o país.
A entidade aponta que praticamente não houve mudança nos investimentos em educação por quase 20 anos no Brasil, entre 2000 a 2018. Segundo dados do INEP, o valor investido por estudante em 2000 era de R$ 35.203,00. Já em 2018, foi de R$ 33.741,00. Nesse mesmo período, a quantidade de alunos matriculados em escolas públicas cresceu mais de 160%: passou de 900 mil no ano 2000 para mais de 2,3 milhões em 2018.
A partir da análise do contexto atual, a Fineduca defende que seja mantido o objetivo de atingir 10% na educação para os próximos dez anos, ou seja, até 2034. Contudo, segundo a associação, o aumento de recursos financeiros para dar conta da demanda equivalente não deve ser somente fruto da arrecadação de impostos, mas de ações que considerem outras fontes de investimento (veja abaixo).
A Fineduca aponta que podem ser colocadas em prática diversas estratégias incluídas no Documento Referência da Conferência Nacional de Educação de 2024. Se todas essas medidas fossem implementadas, o valor adicional investido na educação no país entre 2014 e 2022 seria de mais de R$ 3, 870 trilhões de reais.
São sete categorias previstas pelo levantamento:
1) Estratégias associadas à riqueza natural brasileira
Aplicação dos recursos financeiros da Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica e dos royalties de Itaipu, distribuída aos estados e municípios que se relacionam com usinas hidrelétricas. Também prevê a Compensação Financeira pela Exploração Mineral e aplicação em educação pública de parte dos recursos associados ao petróleo e gás já vinculados ao Fundo Social do Pré-Sal.
2) Estratégias associadas à dívida ativa da União
Segundo estudo da Fineduca, o volume total da dívida ativa da União em 2022 foi da ordem de R$ 2,7 trilhões e, no período 2014-2022, foram recuperados R$ 279,7 bilhões. Caso nesse período tivesse sido aplicado 40% desse montante em educação, o valor seria de R$ 111,9 bilhões.
3) Estratégia vinculada à renúncia de impostos da União
No período entre 2014 e 2022, as renúncias de impostos atingiram R$ 1,6 trilhões. Se a renúncia de impostos tivesse sido cortada pela metade, a educação brasileira teria um aporte de R$ 173,7 bilhões, considerando os valores que seriam aplicados pela União, estados, Distrito Federal e municípios.
4) Estratégia associada à carga tributária brasileira
Ao contrário do que muitos podem imaginar, o Brasil está longe de possuir uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo. Hoje, equivale a 31,6% do PIB, enquanto o valor médio dos países membros da OCDE é de 33,8% do PIB. A diferença é que esses recursos tributários não voltam para o contribuinte.
Se entre 2014 e 2021, a carga tributária brasileira fosse equivalente à carga média dos países mais ricos da OCDE – aplicando 40% desses aumentos na educação – o Brasil teria investido nesse período um total de R$ 1,04 trilhões na área.
5) Estratégia relativa às despesas financeiras
Diante da Emenda Constitucional que congela as despesas primárias do Poder Executivo (pagamento de água, luz, internet, limpeza, terceirizados, pessoal etc.), o documento sugere “limitar o pagamento de juros, encargos e amortização da dívida pública a um valor equivalente a 70% da média que foi paga nos últimos cinco anos, realizando a renegociação dos 30% restantes do ano vigente, com alongamento dos prazos de pagamento”.
Caso essa estratégia tivesse sido implementada entre 2014 e 2024, um total adicional de R$ 1,8 trilhão teria sido aplicado em educação.
6) Estratégia associada aos recursos públicos aplicados no setor privado
A redução de investimentos no setor privado traria bons resultados para a educação pública. Caso sejam reestruturados os volumes de recursos públicos aplicados no setor privado, há a possibilidade de que R$ 30 bilhões anuais deixem de ir para empresas.
E, por fim:
7) Estratégia associada à redução dos recursos públicos que se dirigem ao setor privado
Fazer cumprir o artigo 212 da Constituição que prevê a elevação de 18% para 25% dos recursos dos impostos que ficam na União para serem utilizados em educação.
Por Marcelo Passarella – Jornalista – Registro profissional: 0019340/RS
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