Por Jéssica Pereira Silveira, Assistente Jurídica Banca Advocacia dos Direitos Fundamentais
Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fornecidos em 2021, o Brasil encerrou o ano de 2020 com a marca de 75,4 milhões de processos em tramitação(1), Assim, percebe-se um forte perfil litigante que assola o judiciário brasileiro, acarretando, por consequência, a morosidade para a resolução processual.
Em oposição à cultura do litígio, tem-se na mediação uma alternativa para alcançar a resolução pacífica de conflitos, com maior celeridade e ponderando a vontade dos envolvidos que, muitas vezes, é pouco debatida num conflito judicial.
A mediação consiste num meio consensual de resolução de conflitos, na qual os participantes, com o auxílio do mediador, desenvolvem soluções para a controvérsia visando à reconstrução do diálogo entre os mediandos(2). Em razão disso, é entendida como um espaço democrático, vez que “o mediador, ao invés de se posicionar em um local superior às partes, encontra-se no meio delas para partilhar um espaço participativo voltado para a construção do consenso”(3). Portanto, são as partes que protagonizam a resolução do impasse existente entre elas, sem qualquer imposição de decisão por um terceiro.
Em que pese seja muito estimulada por ser mais ágil que um processo judicial, visto que é um meio de sintetizar a fase cognitiva da ação, o cerne da mediação não está unicamente no acordo, mas sim no restabelecimento do diálogo entre as partes. Logo, ao estimular a resolução consensual do conflito por meio da mediação, estimula-se também a busca pela identificação dos reais interesses dos envolvidos(4), possibilitando aos mediandos que sejam compreendidas as razões que levaram ao surgimento do conflito e, dessa forma, evita-se que a mesma situação necessite novamente de intervenção, viabilizando, dessa forma, o tratamento adequado do litígio, uma vez que são os interessados na resolução do conflito que, consensualmente, decidem o que é melhor para si.
Nesse sentido, quando se está diante do direito de família, tem-se uma característica que o diferencia das demais áreas e que faz com que a mediação seja ainda mais interessante para a resolução do impasse: os relacionamentos que advêm dele tendem a ser duradouros, sendo necessária a manutenção das relações. Ainda, há uma diversidade de sentimentos nas relações que envolvem o Direito de Família, tais como afeto, raiva, vingança, ciúme, dentre outros; ao passo que, nos demais processos do âmbito civil, comumente temos controvérsias puramente jurídicas e objetivas.
Sendo assim, quando os envolvidos têm a possibilidade de declarar quais são as suas insatisfações e desejos, verifica-se que, muitas vezes, as frustrações e expectativas não supridas são até mesmo mais relevantes do que o próprio direito que se está pleiteando(5). Por isso, mostra-se imprescindível a existência de comunicação entre as partes, a fim de que seja, de fato, suprida a real necessidade dos envolvidos, objetivando, ainda, a preservação ou restabelecimento dos vínculos. À vista disso, ensina Valéria Leão que: “a mediação analisa questões que não seriam observadas pelo juiz”(6), uma vez que “nela é verificada a complexidade do caso, com olhares para os aspectos sociais, políticos, emocionais relacionados ao conflito, não puramente uma questão jurídica”(7). Dessa forma, a busca pelo Judiciário pode não ser tão efetiva quanto o esperado, pois ao decidir qual parte é a “ganhadora” e a “perdedora” (relação perde- ganha), os vínculos existentes podem restar estremecidos, com insatisfações no tocante à decisão, bem como dando margem à maior possibilidade de retorno ao judiciário para resolver novos conflitos, ocasionando, assim, uma cronificação dos problemas. Em oposição, visando à efetiva resolução dos conflitos, evitando desgastes demasiados ao relacionamento familiar, a mediação se mostra uma alternativa bastante eficaz. Isso porque possibilita uma abordagem do conflito de maneira interdisciplinar, rompendo com a análise meramente jurídica dos pedidos, com aprofundamento nas reais causas dos conflitos, o que é de suma importância quando se está diante de conflitos oriundos do relacionamento familiar.
Ademais, a mediação “resgata a fala como meio de explicitação dos interesses ocultos”(8) e “ao restabelecer a arte do diálogo como uma prática fecunda de falar e ouvir, promove a consideração à diferença como ponto de partida para o exercício da convivência humana”(9).
Portanto, diferentemente de quando se está em juízo, sob a ótica da mediação, não há uma “queda de braços” entre as partes em conflito que visam, ao final do processo, saber quem está “certo” – com a vitória de um e a consequente derrota do outro; aqui, tem-se como objetivo uma relação ganha-ganha, em que ambas as partes saem vitoriosas, pois conseguiram se fazer compreendidas pelo outro, por meio do diálogo. Notas 1 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2021. p. 102. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf. Acesso em 17 abr. 2022. 2 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. E-book. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530992330/. Acesso em: 13 abr. 2022. p. 189. 3 Ibidem, p.215 4 SPALER, Mayara. Por que escolher a mediação para resolver seu problema?. Migalhas, [S.l.], 01 mar. 2018, Caderno De Peso. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/275347/por-que-escolher-a-mediacao-para-resolver-seu- problema. Acesso em 18 abr. 2022. 5 TARTUCE, Fernanda. Processo Civil no Direito de Família: Teoria e Prática. 6. ed. Barueri: Grupo GEN, 2021. E-book. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559642809/. Acesso em: 08 fev. 2022. p.32 6 LEÃO, Valéria. Meios de resolução online de litígios e seus desafios: ODR-Online Dispute Resolution. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, São Paulo, v.05, n.7, p.108-123, 2019. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/resolucao- online#_ftn1. Acesso em: 30 mar 2022. 7 LEÃO, loc. cit. 8 ROSA, Conrado Paulino da. A Justiça que Tarda, Falha: a Mediação como Nova Alternativa no Tratamento dos Conflitos Familiares. Revista da Faculdade de Direito UniRitter, Porto Alegre, n.11, p.61-71, 2010. Disponível em: https://silo.tips/download/a-justia-que-tarda-falha-a- mediaao-como-nova-alternativa-no-tratamento-dos-confl#:~:text=Toda%20a%20justi%C3%A7a%20que%20tarda,lit%C3%ADgio%20pela%20%C3 %B3tica%20da%20coopera%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 24 mar. 2022. p.67. 9 ROSA, loc. cit.
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