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A importância dos Direitos Fundamentais na Constituição e os ataques ao Judiciário

Marcelo Passarella


A atuação do STF em questões sociais traz à tona uma transformação no modus operandi diante do sufocamento de direitos e propagação de fake news.




Nos últimos anos, a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de demais esferas do Poder Judiciário tem sido abordada com mais frequência pelos veículos de comunicação e pela sociedade em geral. Seja pela necessidade de intervenção para a garantia do cumprimento de leis ou pela existência cada vez maior de fake news contra os titulares do supremo, o tema faz parte de nosso cotidiano e invade diariamente as bolhas das redes sociais (seja para o bem ou para o mal).


Levando isso em consideração, não é equivocado afirmar que todo brasileiro médio conhece pelo menos algum dos ministros do STF e se sente capaz de opinar sobre a atuação desse órgão – mesmo que tal opinião eventualmente seja baseada em informações falsas, elaboradas justamente com o propósito de manipular determinados segmentos da população para retirar a credibilidade de ministros.


Segundo uma pesquisa divulgada pelo instituto Atlas Intel em setembro deste ano, 50% dos brasileiros desconfiam do trabalho do STF. Tal levantamento foi feito justamente no período em que a rede social X (antigo Twitter), do bilionário Elon Musk, estava suspensa do Brasil por não cumprir com exigências da legislação nacional, como a indicação de um representante oficial da empresa no país e pagamento de multas por infrações cometidas.


Para o Doutor, Mestre e pós-Doutor e professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rafael F. Ferreira, esse momento exemplifica como a criação de narrativas atua de forma contrária aos interesses do país, buscando enfraquecer as instituições nacionais a partir de premissas falsas que orientam a extrema-direita nos dias atuais, como a “liberdade de expressão” acima da própria soberania nacional.


“Esse episódio traduz esse momento no qual existem outros interesses por trás dessas narrativas, que estão além do interesse nacional e do próprio Estado.  Trata-se de um empresário que tem sua empresa sediada no Brasil e é inscrito em domicílios eletrônicos, perante à Receita Federal e ao Ministério Público, ou seja, com toda a responsabilidade de quem atua no Brasil. E aí você defender alguém que não está ao alcance da autoridade do Direito e das instituições é algo incompreensível. Então o que está em jogo nesse momento evidentemente não é a liberdade de expressão, mas sim a soberania nacional e a credibilidade de nossas instituições”, destaca Ferreira.


Para o especialista, a decisão do Supremo não tem nada de anormal, a não ser pelo fato de se tratar do empresário mais rico do mundo e envolver uma empresa de tecnologia de informação. Ele ressalta que a polêmica em torno do tema ganhou ainda mais força em função das narrativas ideológicas que sustentam o discurso da extrema-direita contra a própria democracia. 

 

“Criou repercussão por ser o Elon Musk e porque outras pessoas foram afetadas por essa ordem, mas isso faz parte do jogo democrático. O que não podemos admitir é que alguém de fora do Brasil, sem qualquer nível de responsabilização, possa atentar contra a democracia. A questão é toda a narrativa ideológica que está por trás disso, pois o STF ainda continua na vitrine e isso foi encampado por setores e diversos desavisados ou individualistas que disseram que perderam a sua rede social. Mas o que adianta ter uma rede social em uma sociedade que não seja democrática? Falta muita compreensão cognitiva das pessoas com relação aos tempos e as responsabilidades”, avalia o professor.  

 

Invasão criminosa dos prédios dos Três Poderes reforçou importância da ordem democrática no país

 

Outro episódio recente que colocou em evidência as estratégias de manipulação da extrema-direita contra a ordem democrática no Brasil foi o que resultou na invasão criminosa e na depredação dos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), em 8 janeiro de 2023.


Até o momento, conforme reportagem publicada na Agência Brasil, 1.644 pessoas já foram denunciadas pelo Ministério Público Federal (MPF), 227 já foram condenadas e 424 acordos foram feitos com o STF. Além disso, a Advocacia Geral da União (AGU) cobra na Justiça R$ 56 milhões de reparação pelos danos causados aos prédios públicos.


Ao repudiar de forma veemente sobre o episódio, o presidente do Supremo, Luis Roberto Barroso, afirmou que os atos criminosos estão essencialmente vinculados à manipulação propagada pelas fake news por grupos extremistas.


“O 8 de janeiro mostrou que o desrespeito continuado às instituições, a desinformação e as acusações falsas e irresponsáveis de fraudes eleitorais inexistentes podem levar a comportamentos criminosos gravíssimos. Porém, mostrou a capacidade de as instituições reagirem e fazerem prevalecer o Estado de Direito e a vontade popular. A lição é que atos criminosos como esses trazem consequências e que não é possível minimizar ou relativizar o que aconteceu. As punições estão vindo e cumprindo um dos papéis do Direito Penal, que é dissuadir as pessoas de voltarem a agir assim no futuro. Embora possa parecer paradoxal, a democracia brasileira saiu fortalecida do episódio”, afirmou Barroso.


O ministro Alexandre de Moraes afirma que, apesar da natureza violenta do ato, a democracia saiu vitoriosa. “As respostas das instituições atacadas mostram a fortaleza institucional do Brasil. A democracia não está em jogo, ela saiu fortalecida. As instituições demonstraram ao longo deste ano que não vão tolerar qualquer agressão à democracia, qualquer agressão ao Estado de Direito. Aqueles que tiverem responsabilidade serão condenados na medida da sua culpabilidade”, ressaltou Moraes.

 

A Constituição de 1988 e a legislação positiva adotada pelo STF diante de temas sociais

 

A Constituição de 1988 representa um marco para a democracia no Brasil, uma vez que garantiu o direito de eleições diretas em todos os níveis da representatividade política nacional. Ao ter no primeiro artigo a afirmação de que o Estado brasileiro é democrático de direito, reforça a ideia de que o texto foi criado e promulgado “por representantes do povo”, cujos pilares são princípios fundamentais (título I) e direitos e garantias fundamentais (titulo II).


Contudo, nas últimas décadas, o trabalho do Judiciário foi cada vez mais relevante para garantir o cumprimento dessas determinações constitucionais. De acordo com o professor Rafael F. Ferreira, a atuação do Judiciário tem sido mais frequente para a concretização dos Direitos Fundamentais, trabalhando para além da chamada legislação negativa – ou seja, a retirada do ordenamento jurídico de leis e atos normativos em desacordo com a Constituição.


Segundo ele, o papel do STF nos últimos anos caminha em direção a uma legislação positiva, cuja função é reforçar o papel da Supremo como legislador, criando leis que reforcem as diretrizes colocadas na própria Constituição.


“O papel constitucional do STF começa a ganhar relevo nos últimos 20 anos, quando o Judiciário acabou sendo mais concretista com relação aos Direitos Fundamentais, trazendo para si a responsabilidade de atuar em esferas que antes eram entendidas como de outros poderes. Ele sempre caminhava na esfera do legislador negativo, entretanto, em um país no qual diversas promessas da Constituição ainda não foram colocadas em prática, o Judiciário, evoluindo em seu papel, trouxe para si a responsabilidade de concretizar diversos Direitos Fundamentais”, esclarece Ferreira.

O professor salienta que o papel do STF como legislador positivo ocorre no momento em que o Legislativo se abstém de arbitrar sobre questões essenciais para os Direitos Fundamentais. No entanto, não está isento de críticas.


“O Judiciário, evoluindo em seu papel, trouxe para si a responsabilidade de concretizar diversos Direitos Fundamentais. Quando não existe maior resistência, a tendência é que isso se consolide, muitas vezes com a complacência do Legislativo, ou seja, de não ter consenso ou de não assumir o desgaste político de algumas pautas, foi deixando que o Judiciário assumisse esse papel, gerando algumas distorções, como o ativismo judicial. Nesse papel de concretizar direitos em políticas públicas, acaba contrariando os interesses dos partidos mais conservadores. Questões como aborto, gênero, uniões homoafetivas nunca tiveram espaço nesses grupos, que compõem a elite patrimonialista. O STF tem que ser criticado em diversas questões porque foi bastante ativista, mas em outras acertou também”, pontua.   

 

 

Seminário promovido por Escritório Rogério Coelho aprofundou estudos sobre Constituição e hermenêutica jurídica

 

O professor Rafael F. Ferreira foi o convidado especial do seminário Hermenêutica Jurídica – Ferramentas para a Advocacia Coletiva, realizado com os profissionais do Escritório Rogério Coelho no dia 11 de outubro, em Porto Alegre. No encontro, Ferreira aprofundou uma série de questões relacionadas à interpretação correta da legislação brasileira, com base no acompanhamento constante das demandas da sociedade. 


“O objetivo foi convocar os jovens profissionais do escritório para a sua responsabilidade intelectual, cultural e política. Fazer pontes entre o conhecimento teórico e a vida prática é um desafio. A capacidade que as pessoas têm de contribuir ou debater determinado tema fica muita prejudicada por uma sociedade que têm muito acesso à informação, mas não têm maturidade de compreensão e tempo de dedicação e não têm profundidade de conhecimento para interpretar”, explica o professor. 


O advogado do Escritório Rogério Viola Coelho - RVC, Filipe Delmondes, Mestre em Direito e Justiça Social e Residente em Prática Jurídica Social pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), ressalta a importância da hermenêutica como uma ferramenta para compreender os conceitos filosóficos com as questões práticas do Direito nos tempos atuais.


“A hermenêutica ajuda a construir uma doutrina que leve em consideração a Constituição Federal, que seja o parâmetro a ser seguido e que seja efetivamente colocada em prática. Essa ferramenta é importante para não cair no subjetivismo e ativismo jurídico. É uma defesa da Constituição e de seus Direitos Fundamentais”, pondera.


A advogada do escritório Kelly Pinheiro Borges Freitas, Mestranda em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), avalia que o evento foi fundamental para ampliar a discussão sobre a importância da defesa dos interesses da classe trabalhadora, que muitas vezes é vítima de retrocessos em seus direitos.


“O seminário trouxe a importância de estudar sobre as partes filosóficas do Direito para fazer frente às teses hegemônicas que estão colocadas e muitas vezes estão contrárias aos interesses dos trabalhadores e dos servidores públicos. É um retorno à própria Constituição e à defesa dos direitos dos trabalhadores”, comenta.


Foto em destaque: Divulgação/STF


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